07 abril, 2010

Teologia do Sorvete

por Marcos Soares
Amigos, não vos assusteis. Não é uma nova unção nem um modismo repentino que assolará a vossa terra. Trata-se apenas de uma conversa com um grande amigo, que me fez refletir sobre algumas coisas importantes na vida de um cristão, que o tempo, a correria, o envolvimento ministerial e a falta de vigilância acabam por solapar e subtrair de nossa curta experiência.

Você já reparou que quanto mais envolvido está no ministério da sua igreja menos tempo você tem para investir nos relacionamentos pessoais? Não é uma espécie de contrassenso que o mesmo Corpo que nos aproxima e nos faz UM pode ser, ao mesmo tempo, um elemento de nos afastar uns dos outros? Veja, encontramos nossos amigos da igreja no final de semana. Durante o culto, obviamente, não é o momento para conversas particulares. Depois dele, todos estão correndo para a próxima atividade. Durante a semana temos tantas coisas para fazer, aulas, viagens, reuniões de trabalho, provas. Corremos para uma célula na quarta-feira, mas mal acaba o “amém” já estamos no automático, conversando uns com os outros sobre a última assembléia, o próximo congresso dos jovens, a próxima reunião do ministério, o programa do acampamento da Páscoa. Não sobra tempo para seguir o conselho de Pedro: “sejam todos fraternalmente amigos” (1 Pe 3:8).

Tenho amigos em muitas partes deste país. Alguns, levo meses ou anos para ter o privilégio de encontrar. Quando finalmente temos esta chance, nossas conversas, quase sempre, vão girar em torno de problemas de igreja, de desilusões, de desencantamentos e até mesmo de alegrias e vitórias no ministério. Poucas vezes paramos deliberadamente para ter apenas uma conversa sobre nós, nossa vida, nossa família, nossa amizade. É aqui que entra a proposta da Teologia do Pote de Sorvete.

Este amigo me propôs que da próxima vez que nos encontrarmos, vamos comprar um pote de sorvete de flocos da Kibon, pegar uma colher para cada um e degustar lentamente, enquanto falamos sobre tudo, menos sobre igreja. Os mais “espirituais” apressar-se-ão em apontar a frivolidade da sugestão. Acharão perda de tempo. Dirão que há coisa mais importante para se fazer, pois o tempo urge. Mas este meu amigo (que, por questão de segurança nacional, não posso ousar mencionar o nome) tem lá suas razões. Ele é um líder, um pastor de almas. As pessoas o procuram dia e noite sem parar. Ele está sempre rodeado de gente. Paradoxalmente, é solitário. Não tem com quem compartilhar suas fraquezas, temores, dificuldades. A maioria daqueles que o procuram talvez nem se dão conta, mas só o procura na roubada. Alguns nunca pediram seu conselho antes de tomar suas desastradas decisões, mas agora exigem que ele dê solução imediata para a quebradeira em que suas vidas se tornaram. Em poucas palavras, ele se sente desgastado, usado, abusado. Sente-se como uma laranja espremida, da qual só ficou o bagaço. Ninguém o procura para saber como ele está ou para lhe dar apoio. Ninguém está, de fato, interessado nele. Só há interesse naquilo que ele pode fazer, resolver, agilizar, autorizar, conduzir. Ele mesmo, sua pessoa, sua vida, são descartáveis.

Esta é uma duríssima realidade, que só pode ser compreendida por quem já passou por ela. Ouvi de outro amigo meu no campo missionário que a sua maior necessidade não era a financeira, apesar de saber que esta muito lhe afligia. Sua maior carência era justamente a de ter amigos por perto, que pudessem simplesmente emprestar-lhe dois ouvidos e um coração carinhoso.

Líderes são pessoas de quem se exige tudo, até mesmo a perfeição. Na igreja, são aqueles a quem a gente paga para fazerem o que não estamos dispostos a fazer. Lideres são servos, é verdade. Eles servem a Deus servindo aos homens. Também é verdade. Mas nem por isso precisamos usá-los como fazemos com máquinas de lavar roupas. Ninguém se importa com uma máquina dessas. Elas ficam no lugar mais escondido da casa, normalmente no fundo do quintal em um quartinho escuro. Tudo o que queremos dela é que limpem a sujeira. Enchemos até a boa, colocamos um sabãozinho e zarpamos fora, reclamando inclusive do barulho que ela faz enquanto não acaba o serviço.

Experimente uma hora dessas se aproximar daqueles de quem você exige tão alto desempenho em seu cristianismo, só com um pote de sorvete, duas colheres, dois ouvidos e um coração. Não os procure para falar de modelos de gestão, do cumprimento da profecia, nem do comprimento da roupa. Evite, pelo menos enquanto o sorvete não acabar, mencionar as dificuldades do irmão fulano ou da irmã beltrana. Esqueça, por um pouco, o orçamento apertado que não permite a troca do equipamento de som. Releve a indignação com a mudança no horário das reuniões do seu filho adolescente. Apenas desfrute o sorvete enquanto mostra a seu líder, discipulador, pastor ou simplesmente amigo o quanto você se interessa por ele, por sua vida, por sua família, por seu bem-estar. Demonstre, ainda que em silêncio, o apreço que tem por tê-lo no rol de seus amigos. Faça-o perceber que não está ali por obrigação ou por dever de ofício, mas porque gosta dele.

E terás um tesouro no céu.

2 comentários:

André Gomes disse...

É impressionante como nos sentimos representados por alguns textos. Como este por exemplo...

Obrigado Dudinha , mais uma vez. Seu blog é um lugar de refúgio, e sempre edificante.

Grande abraço do papai mais feliz do Brasil :D.

Paz !!!

Eduardo Gazola disse...

Como Elias muitas vezes acreditamos que estamos sós, mas não estamos André ... Deus preservou para si outros que também enxergam e não se dobraram ...

Você não está só meu irmão, ainda há outros como nós!

Grande abraço meu querido, o Reflexão mantém as portas abertas para todo bom pensador!

Fica com Jesus!