12 abril, 2010

Pecado

Aviad Kleinberg

O que é pecado? Como separar certo e errado?
Um interessante ponto de vista de um historiador israelense traduzido aqui por Ricardo Gondim. Não li o livro, mas esse trecho disponibilizado pelo Gondim em seu site atiçou-me.

Segue abaixo na íntegra:

Não existe pecado sem contexto. Não existe pecado em si. A própria noção de pecado é sempre o resultado de uma comparação, explícita ou implícita, entre ideal e realidade específicos. Sem esta comparação, em que o ato é pesado na balança moral e achado em falta, não existe pecado – só existem ações e paixões.
As ações e paixões humanas só se tornam pecado em determinados contextos morais e culturais. À medida que os contextos e as regras mudam, também muda a definição de pecado. O que outrora se constituiu um pecado (masturbação, por exemplo) cessa de ser errado; o que outrora não era pecado (espancar os filhos ou mercadejar com vidas humanas) cessa de ser correto. Certo e errado são continuamente definidos e redefinidos pela sociedade. A balança moral hora se inclina para um lado, hora para o outro.

A moralidade se expressa em termos absolutos: “Nunca” e “Sempre”; e se apresenta como um tecido sem costura e atemporal. Contudo, com um olhar mais cuidadoso, percebe-se a costura do tempo e do lugar. Pecado é um construto cultural.

Estratos de idéias, crenças, e noções preconcebidas são traços de toda cultura. Nós observamos o mundo e a nós mesmos do alto de um estrato superior: o presente. O presente não é nada mais do que a agregação de eventos e processos do passado. Nossas raízes traspassam todas as camadas de nossa cultura sedimentada.

Ao impulsionarem-se na direção do presente, nossas noções estão impregnadas com as nódoas de nossos pais – somos tingidos com as memórias e culpas alheias. Pior ainda, não somos um coral que canta a nossa cultura em uníssono. Somos candidatos a solistas que, teimosos, cantam desafinados. Imperativos éticos são endereçados à coletividade, mas as escolhas éticas serão sempre individuais. Na esfera do certo e do errado, tudo é pessoal.

Cada pessoa é um acidente, uma colisão entre impulsos individuais e opções culturais. Antes de chegar à idade da razão, absorvemos, sem verdadeiro exame e sem escrutínio, as contradições internas de nosso ambiente. Os juízos irresponsáveis, as avaliações arbitrárias, os comentários levianos dos adultos são filtrados por nossas mentes imaturas, e depois misturadas em um coquetel de gostos e aversões. Pouco a pouco nossa fibra moral mostra sua aparência hesitante. Ao alcançar maturidade, tentamos colocar alguma ordem no verdadeiro caos de nossa infância. Quando nos vemos diante de compromissos impossíveis e urgências contraditórias, encaramos dores pessoais e ansiedades generalizadas. Tentamos ser apenas razoáveis.

Não é fácil ser razoável. O chão parece sumir debaixo dos pés. Os zeladores da moralidade pública tentam impor seus próprios equilíbrios, decretar valores absolutos onde tudo é relativo, proclamar claridade onde tudo é obscuro, declarar objetividade onde tudo é subjetivo. Abanam suas escalas, prometendo a todos os que chegarem, no horário, na estação alcançarão os destinos morais em segurança. Mas nós sempre nos antecipamos ou atrasamos.

Somos rápidos demais para nos perdoar pelo imperdoável e dispostos demais para deixar que as uvas azedas de nossos pais embotem os nossos dentes. Pecamos do nosso jeito individual, quebrando as regras feitas especialmente para nós. Com sucesso ou fracasso, fazemos da nossa maneira.

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