28 março, 2012

Usando vacas para falar da vida

Por Luciano Gazola


Nas trilhas da caminhada cruzei por algumas vacas. 
Outro dia conversava com alguém que nunca tinha visto uma vaca frente a frente, ao vivo, estranho para mim, por mais urbano que seja nasci no interior do Rio Grande do Sul e vi muitas vacas, ainda as vejo, sempre tem uma vaca no nosso caminho! 


Tinha lá meus dez anos de idade quando corri de uma vaca louca com tanta agilidade que cruzei uma cerca de arame farpado sem entender até hoje como consegui. 


Tinha quinze quando em uma pescaria com meu pai à procura de um lugar melhor, caminhamos em torno da barragem do Passo Fundo, eu, ele e meu primo João. Vimos pegadas de uma vaca e alguém disse: se a vaca passou por ali podemos passar também. Afundamos, e até hoje não sei como a vaca passou! 


Já tinha 30 quando retornava de férias do Sul, e em Mundo Novo andando um pouco mais rápido do que o necessário uma vaca cruzou a frente do meu carro. Até hoje eu e a Priscila não sabemos por onde aquela vaca passou. 


Sempre tem uma vaca no nosso caminho! 


Mas nunca vi uma vaca abandonada, sempre tem alguém que queira uma vaca. Você já viu uma vaca abandonada? Vacas sempre dão algum lucro. Já vi crianças abandonadas, já vi velhos abandonados e pobres abandonados, mas vacas ainda não. Se um dia houver uma vaca abandonada, certamente não precisará passar pela fila de adoção, pois sempre há lugar para uma vaca em nossos corações. 


Jesus no Evangelho de Lucas 16 conta uma história, cria uma parábola para que os sabichões da lei entendessem a cerca do Reino de Deus. A parábola é simples e provocante. Um mendigo chamado Lázaro morre e vai para o céu. Um homem rico sem nome algum morre, e vai para o inferno e de lá tenta se concertar, mediar algumas coisas. O pobre vira rico no céu e o rico vira pobre no inferno. Qual é o problema de ser rico? Ser pobre é alguma virtude que nos leva a algum nível de santidade? 
A parábola, entre as muitas coisas que ilustra, sugere uma resposta sobre como identificar o Deus de alguém. Antes de contá-la Jesus indica que é impossível servir a dois senhores, é impossível servir a Deus e a Mamom, é impossível servir a dois deuses. A avareza indica a que deus servimos e aponta o caminho aonde chegaremos


O Deus que servimos não se revela em nossos discursos, não se revela na nossa aparente qualidade de vida terrena, nem tão pouco nas intenções de nossos corações. O Deus que servimos se revela nas nossas atitudes. As boas novas não são um belo discurso, não são prosperidades, nem bondade de coração. A boa nova é uma ação que gera mudanças e inversões apontando com clareza o Deus que servimos. Deus se revela no nosso cuidado com o outro, independente de lucros e ganhos, sempre teremos vacas e Lázaros no nosso caminho... A quem serviremos?
Luciano Gazola,
Fátima do Sul-MS,
26 de Março de 2012

13 março, 2012

Naqueles tempos e naquele tempo...

Luciano Gazola
Acho que eu tinha dezesseis anos. Os Titãs foram tocar em Santo Ângelo. Era uma noite de muita chuva. O anfiteatro estava lotado, mas a grama tinha virado lama, éramos muitos. Na maioria absoluta, jovens cheios de sonhos, desejos, pensamentos e irresponsabilidades. Ao meu lado um cara com uma garota na garupa, ela gritava e cantava e bebia, bebia muito! 


Naqueles dias eu ainda não externizava nada ou quase nada do que sentia, mas sentia muita coisa, eu sentia que podíamos mudar o mundo, sentia que ao som das guitarras e no poder das letras de Legião, Titãs, Engenheiros, podíamos mudar tudo... Mas eu sentia só para mim e geralmente esse sentimento terminava com a úultima cerveja. 


Então de tanto sentir e não fazer nada, acabei anestesiado! 


Acho que eu tinha vinte e dois anos, era sábado. Chovia em Campo Grande uma garoa paulista. Éramos muitos, a grama virava lama aos poucos. Do meu lado um cara com uma garota na garupa, ela gritava, chorava, orava. No palco Oficina G3. Olhava para o lado e olhava para cima e sabia de novo que podíamos mudar o mundo, ao som do Rock de G3, Resgate na palavra do Baterista que externizava um Evangelho de tribos! 


Naqueles dias eu voltava a sentir, dessa vez externizava muito. A anestesia havia passado. Verbalizei ideias, vivi delas e fiz com que a maioria acontecesse. Aprendi muito. Aprendi que não era eu, que era Ele e que éramos muitos e que o segredo era a soma de todos. Fizemos um monte de coisas. Crescemos, conquistamos, cansamos, caímos e levantamos um milhão de vezes. Alguns vieram, alguns passaram e alguns ficaram! 


Então vieram os goles de religião, poder bem mais anestesiante do que a velha cerveja. 


Antes de me anestesiar novamente eu corri, entendi que se eu não parar não haverá anestesia. Hoje busco um caminho sem atalhos onde o poder daqueles tempos e daquele tempo possam andar juntos nesse tempo! Eu encontrei e vou andar por ele e Nele para sempre sem anestesiar.






Luciano Gazola,
 Fátima do Sul-MS,
 13 de Março de 2012.

08 março, 2012

Caminhante

Por Luciano Gazola


Um dia me disseram que eu era livre. Meu primeiro ato de liberdade causou-me uma marca na testa que carrego até hoje, no álbum infantil o registro do primeiro tombo. 
Nos atalhos da Teologia troquei liberdade por livre arbítrio e hoje, liberdade de novo! Me Libertei dos atalhos, pelo menos desse atalho. 


O perigo de um mundo cheio de trilhas é taxarmos os caminhantes pelos sapatos que usam, pelos caminhos que escolhem. Caminhante é sempre caminhante, tira-se a roupa, os sapatos e fica o caminhante... 


Um dia me disseram que eu era guia de uma destas trilhas, e fui. Aprendi a subir montanhas, fazer fogo com gravetos, comer sementes e apontar o caminho. O problema é que de cima da montanha enxerguei outras trilhas e elas também levavam a algum lugar e Ele também estava lá


Me assustei! Pensava mesmo ser a minha trilha a única, não achava que era a melhor. 
Achava que era a única


Resolvi observar outras trilhas, outras tribos. Usavam roupas parecidas com as minhas e as minhas eram diferentes das dos meus caminhantes
Cansei de apontar o caminho, resolvi ir lá e ver. E vi! 


Era mesmo outra trilha, outros caminhantes, outras roupas, outras montanhas, mas Ele também estava lá! 


Agora caminho. Carrego na mochila a sinceridade de quem quer andar, a fé de quem sabe quem esta lá e o amor que fará pegadas no caminho. 


To aprendendo caminhar. A minha trilha eu conhecia muito bem, mas ela me fez perigosamente acreditar que era única e não era a única! 




Luciano Gazola, 
Fátima do Sul-MS, 
8 de Março de 2012.