28 setembro, 2011

The Village(2004) - Um olhar da filosofia sobre a Verdade (por Eduardo Gazola)

por Eduardo Gazola
Esse excelente filme de M. Night Shyamalan (mesmo autor do Sexto Sentido), 2004, trata entre os meandros da trama, sobre o conceito de verdade absoluta

O filme fala sobre um grupo de pessoas traumatizadas pela violência do mundo que resolve isolar-se em uma vila criada no meio de uma reserva florestal. Eles abdicam totalmente do convívio com o mundo, tanto de tecnologias quanto pessoas. 
Para garantir o sucesso de suas escolhas eles criam uma verdade que garanta o isolamento da vila. Quero que vocês assistam o filme e portanto não irei dar mais detalhes sobre a trama, cabe ressaltar o genial autor, diretor e produtor M. Night e a atuação de Adrien Brody e Bryce Howard (que faz uma jovem cega), aonde até peguei um gancho e experimentei rodar por dentro de casa com os olhos fechados tentando fazer as tarefas comuns sem o auxilio dos olhos, indico a experiência...

Mas o que realmente me motivou a escrever esse texto depois de ter visto 3 ou 4 vezes o filme, é sobre o senso de verdade abordado pelo filme e que também permeia nossa vida, ou ainda o que é e pode ser aceito por conhecimento.

Como definimos o que é verdade? 
Basicamente definimos verdade como algo com algum nível de confirmação. 
Sendo assim, verdade pode ser algo dito por alguém em quem depositamos confiança.
O conceito abordado no filme The Village é justamente esse, a verdade repassada como verdade por alguém inquestionável.

Edmund Gettier, propôs um problema: "A vaca no campo"
Em resumo diz o seguinte:

Um fazendeiro tem uma vaca premiada, Daisy, e essa se afastou da estrebaria. O seu funcionário tenta acalmá-lo dizendo que viu Daisy num campo próximo. O fazendeiro apesar de confiar em seu funcionário, prefere ver por seus olhos que Daisy está bem e vai ao tal campo. Ao longe identifica atrás de arbustos o preto e branco da pelagem de Daisy. O fazendeiro fica satisfeito por saber aonde estava sua vaca premiada.
O funcionário então vai buscar Daisy, ao chegar no campo encontra Daisy entre as árvores, mais ao fundo, escondida da visão da estrebaria. Ele observa então nos arbustos que o que eles identificaram como sendo Daisy era um papel que jogado ao vento se prendeu nos galhos. 

  • O fazendeiro e o funcionário acreditaram que Daisy estava no mato;
  • Havia evidências (provas) de tal afirmação;
  • De fato Daisy estava segura no campo próximo à eles;


Daisy estava de fato no mato como o fazendeiro e o leiteiro sabiam, mas é justo dizer que eles de fato sabiam que Daisy estava ali?


A verdade sobre esse ponto de vista pode ser algo extremamente frágil. Pois baseada no testemunho de muitos, e no que se pode ver e tocar, ela é verdade ... até provado o contrário.

Temos por verdade absoluta então algo que passa disso, além do testemunho, além do visto ou tocado. Verdade Absoluta seria algo testado e que não pode ser mudado.


"Verdade Absoluta seria algo testado e que não pode ser mudado."

O ser humano não pode viver sem oxigênio. É uma verdade absoluta, foi testada e comprovada por várias formas diferentes.

Ao longo da história porém podemos identificar muitas Verdades Absolutas que num dado momento deixaram de ser. 

O Sol gira ao redor da Terra, a terra é plana, ..., entre outras.  E mais recentemente os cientistas acreditam ter ultrapassado a velocidade da luz, ainda em testes, o que iria dar uma reviravolta nas teorias de Albert Einstein.

Podemos dizer que verdade só pode ser afirmada como tal se ligada à uma base de conhecimento. Sem a base que compõe essa verdade, ela não faz o menor sentido ou diferença. 

Como na fábula dos Seis sábios e o elefante, a verdade é verdade absoluta diante da base de conhecimento de quem a profere, podendo ainda assim ser mentira, se vista em outra base de conhecimento ou ainda ser apenas uma verdade parcial


A seguir:

Os Seis Sábios Cegos e o Elefante.

“Numa aldeia Indiana viviam 6 sábios que tinham a particularidade de ser cegos, mas apesar disso, todas as pessoas da aldeia recorriam à sua ajuda, pois os seus conselhos eram excelentes.

Os 6 cegos eram bastante amigos, mas existia uma certa rivalidade entre eles que os levava a discutir sobre qual dos seis seria o mais sábio.

Certo dia, depois de muito discutirem e não chegarem a nenhum acordo sobre a verdade da vida, o sexto sábio ficou chateado e decidiu ir viver sozinho para uma montanha perto da aldeia.
– Somos cegos para que possamos ouvir e entender melhor as pessoas, e em vez de aconselhar os mais necessitados, vocês estão a discutir como se quisessem ganhar uma competição. Não aguento mais. Vou-me embora. – disse o sexto sábio.
No dia seguinte, chegou à aldeia um comerciante montado num elefante. Os sábios nunca tinham tocado num elefante e correram para a rua ao encontro dele.
O primeiro sábio apalpou a barriga do elefante e disse:
– Trata-se de um animal enorme e muito forte. Toco nos seus músculos e eles não se movem, parecem paredes.
Logo de seguida o segundo sábio ao tocar nas presas do elefante comentou:
– Que palermice. Este animal é pontiagudo como uma lança. É uma verdadeira arma de guerra.
O terceiro sábio ao tocar na tromba do elefante exclamou:
– Estão enganados. Este animal é parecido com uma serpente. Mas não morde, porque não tem dentes na boca.
Posto isto, o quarto sábio ao mexer nas orelhas do elefante comentou:
– Vocês os três estão malucos. Este animal é único e diferente de todos os outros. Os seus movimentos são calmos e fortes e o seu corpo parece uma cortina.
O quinto sábio ao tocar na cauda do elefante respondeu irritado:
– Vocês os quatro estão completamente doidos. Este animal é parecido com uma rocha que tem uma corda presa no corpo, até me consigo pendurar nela.
E assim ficaram os 5 sábios cegos horas aos gritos a discutir. Até que o sexto sábio, que se tinha mudado para a montanha, apareceu de mão dada com uma criança.
Ao ouvir a discussão, pediu à criança que desenhasse no chão a figura do elefante.
Quando o sexto sábio tocou no desenho e sentiu os contornos do elefante, percebeu que todos os outros sábios estavam certos e enganados ao mesmo tempo.
O sexto sábio agradeceu à criança e afirmou:
– É assim que os homens se comportam perante a verdade. Agarram apenas numa parte, pensam que é o todo e discutem como tolos.“

Em nossa vida nos deparamos com muitas verdades em suas bases de conhecimento, quer como igreja, família ou demais círculos sociais.
A questão é saber ver o todo, o que nos é impossível na maioria das vezes, ou ter humildade  e sabedoria para aceitar a verdade alheia levando em consideração a sua base de conhecimento. 


Outro exercício interessante é questionar ou testar sua base de conhecimento, confirmando, aprimorando ou modificando sua verdade. 


Os maiores conflitos surgem normalmente desse duelo entre verdades, o que é verdade pra mim pode não ser verdade para você. Eu posso ter razão para defender minha verdade sem que você deixe de ter razão ao defender a sua verdade. 
Quando aprendemos a ver a verdade do outro, e assim juntar conhecimento para aprimorar a verdade, aprendemos muito mais do que quando simplesmente defendemos o nosso ponto.


O assunto é longo e espero que possamos compartilhar mais sobre isso, se quiserem sugerir continuidade podem colocar nos comentários ou mesmo nos enviar no email, responderemos a todos.




Abraço,




Duda.

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