E eis que se aproximou dele um jovem, e lhe disse: Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?
Respondeu-lhe ele: Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é bom; mas se é que queres entrar na vida, guarda os mandamentos.
Perguntou-lhe ele: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás; não adulterarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; honra a teu pai e a tua mãe; e amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado; que me falta ainda?
Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me.
Mas o jovem, ouvindo essa palavra, retirou-se triste; porque possuía muitos bens. Mateus 19. 16.22
A narrativa acima, estampa o questionamento existente nos corações de muitas pessoas, “o que fazer para ganhar a vida eterna?” A mesma narrativa se encontra também no capitulo 10, 21 do Evangelho de Marcos, porém com pequenas diferenças. Dentre essas sutis diferenças, na narração mateana, destaca-se na pergunta do jovem rico a seguinte citação: o que eu farei de bem, para herdar a vida eterna? Em algumas versões como a Almeida Revista e Atualizada, lemos: o que eu farei de bom, ao invés de bem. Na narrativa de Marcos, a pergunta do Jovem rico é: Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
Refletindo sobre o texto, conclui que, aquele jovem abastado, possuía muitas coisas em comum com muitas pessoas religiosas hoje. Dentre elas, as mais flagrantes são: Incerteza da salvação e incompreensão da graça de Deus.
Apesar de ser uma pessoa que diligentemente observava os mandamentos citados por Jesus, no coração daquele jovem que desde cedo aprendera o bê-á-bá da religião judaica, existia uma pergunta que não calava: “que destino terá minha alma, ao findar o labor dessa vida?” A dúvida quanto à salvação era a força motriz dos atos daquele jovem, todas as ações dele emanavam do medo de não ser salvo, isso o deixava em constante crise movendo-o numa busca doentia pela perfeição. Tal busca pela perfeição fez com que se destacasse sobremaneira dentre os de sua idade, superando a todos, pois tudo fazia com primazia, sendo o mais zeloso discípulos dos fariseus. Seus mestres orgulhosos por sua disciplinada observância da Lei em todos os seus pormenores, sempre o elogiavam, colocando-o como exemplo a ser seguido pelos demais jovens discípulos.
Mas, o que seus mestres e amigos não sabiam é que ele vivia em crise, pois apesar de todas as práticas religiosas, não sabia se era nascido de novo. Muitas vezes, ele desejou levantar a mão na sinagoga e abrir seu coração, mas tinha vergonha de fazê-lo, afinal era um jovem de destaque na sociedade farisaica, filho de rabino, como poderia titubear em questão de tamanha importância no campo da fé?
Sua precoce e perfeita observância dos mandamentos, fez com que ele se tornasse líder da MOFAJ. Mocidade Farisaica Judeiana. Ocupar tal posição, o angustiava mais ainda, afinal era um líder e não podia deixar transparecer dúvidas, pois precisava demonstrar para a juventude da Judéia que sua observância dos pormenores da religião se baseava na certeza de que já estava trilhando o caminho da salvação e não que ainda estava tentando encontrá-lo. Não podia manifestar suas dúvidas, pois seu pai o rabino Faleg, Al, ismo, com quem aprendera desde cedo a observar a Lei, esperava um dia tê-lo sucedendo-o na condução da sinagoga.
Diante do status social, da responsabilidade como líder da MOFAJ e das expectativas ministeriais do pai, expor sua insegurança no tocante à salvação seria desonrá-lo, portanto a solução era se calar e caminhar, pois fazer isso depunha contra um dos mandamentos que mais primava em observar: honrar pai e mãe.
Por se destacar diante dos de sua idade no tocante ao conhecimento e observância da Lei, fora convocado pelos fariseus veteranos, para juntamente com eles colocarem Jesus a prova. Os mestres foram primeiro, e ele decidiu ficar ao longe, entre a multidão, assistindo como seus professores agiam. Contudo, ao ver como Jesus desmontou os estratagemas deles, ao tentarem fazê-lo negar a Lei de Moisés com a questão do divórcio, pela primeira vez, passou-lhe pela cabeça, que muitas das coisas que aprendera e observara desde sua infância, poderia não ser como realmente lhe ensinaram. A maneira como seus mestres foram silenciados por Jesus, o rabino marginal de Nazaré, no tocante a indissolubilidade do matrimônio e a razão da liberação do divórcio por Moisés, levou-o, a perceber que seus mestres não possuíam sólidos conhecimentos de ensinos rudimentares da Torá.
Ao ver seus mentores saindo derrotados mais uma vez, pelas palavras de sabedoria que vinham da boca do humilde carpinteiro, o jovem rico sentiu que aquele era o momento, tomou coragem e se aproximando perguntou: - Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?
Jesus, já de inicio, desmonta um conceito sobre o qual o jovem se firmara, declarando-lhe que ninguém é bom se não, aquele de quem procede toda bondade, diante de quem a justiça humana é um trapo de imundície, na narrativa de Marcos, Jesus reagiu respondendo-lhe: - Por que me chamas bom? Ninguém há bom senão um, que é Deus.
Fica claro nas palavras de Jesus, a resposta no tocante a conseguir a salvação, pois sendo Deus bom, a salvação só poderia ser fruto de um ato gratuito dEle, independente da ação humana (Ef. 28). A salvação é uma dádiva fruto da perfeita obra consumada por Cristo no Calvário. No tocante a ela podemos acolher o que diz Tiago: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das Luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.” – Tiago 1: 17.
O jovem não respondeu a indagação de Jesus, sobre o porquê lhe chamara de bom mestre, pois o que ele aguardava ansiosamente era a resposta sobre como obter a salvação. O chamar Jesus de bom mestre, foi apenas uma introdução para tão somente apresentar a questão que lhe era crucial. E Jesus, que sempre levava seus interlocutores a pensarem, segundo a narrativa de Marcos, responde a pergunta com outra pergunta:- Sabes os mandamentos?
Diante de tal pergunta, o jovem, sentiu-se seguro no caminho que trilhava, afinal, não só sabia os mandamentos, mas desde a sua infância os observava meticulosamente, tendo-os aprendido desde cedo com seus pais e aperfeiçoado o aprendizado com os rabinos, dentre eles Nicodemos, um dos mestres em Israel. Contudo, sua segurança duraria pouco. Pois, assim, como ele usou de uma introdução com Jesus, para chegar ao âmago de sua questão, Jesus perguntou introdutoriamente sobre o conhecimento dos mandamentos, para responder a ele, o que realmente lhe era preciso para alcançar a salvação.
Outro diferencial entre as narrativas de Marcos e de Mateus, é que segundo Marcos, diante da resposta do jovem discípulo de fariseu, Jesus fitando-o, o amou. Jesus ao fitar e amar aquele jovem viu seu ser possuído pelas posses. Enxergando nele um vazio da graça, decide então levá-lo a uma auto – libertação, indo direto na cadeia - mor que o acorrentava, disse-lhe: - Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me.
A resposta de Jesus, penetrou os ouvidos do jovem discípulo de fariseu, pois, nela veio não só a resposta de como obter a salvação, mas a perfeição verdadeira. Porém, aquela resposta petrificou-lhe a alma, deixando o emudecido, pois para consegui-la, o Mestre Nazareno impôs-lhe um preço: renunciar a seus muitos bens materiais. Ficou claro também que a salvação, não resultava de obedecer aos mandamentos como zelosamente fazia, mas sim de seguir a Cristo. Isto significava não só desfazer-se de seus bens materiais, mas também de seus preceitos e preconceitos, abrindo mão de sua confiança na Lei, seguindo a um homem que comia e bebia com pessoas consideradas imundas, ao qual seus mestres haviam chamado de, obreiro de Belzebu o maioral dos demônios, glutão e beberrão de vinho, amigo dos publicanos e pecadores. (Mt 12, 24 e 11. 19)
Àquele jovem, estava prestes a conseguir verdadeiramente aquilo que falsamente demonstrou ter para as pessoas, a perfeição. Ao observar rigorosamente a lei, passava a idéia que ele era perfeito, em suas crenças e práticas. Agora, confrontado por Jesus, vê-se diante da possibilidade de alcançar a verdadeira perfeição.
A obtenção da perfeição, que rigorosamente buscava por meio da observância da Lei, estava diante dele, contudo, para alcançá-la, ele precisava antes desfazer-se daquilo que lhe possuía, a riqueza, sim, pois ele estava firmado sobre ela, nela estava o coração dele.
Naquele momento, o silencio tomou conta da multidão, e, em seu interior, o jovem lutava, entre o ter e ser. Entre ter os bens materiais e continuar angustiado pela incerteza da salvação pessoal, e ser capaz de desapegar-se dos bens que o amarravam se tornando servo de Cristo.
Porém, julgou ser muito alto o preço da perfeição, e escolheu continuar servindo as riquezas.
Ele não foi capaz de tomar uma atitude tal qual tomou Francisco de Assis, o qual compreendeu que é: “dando que se recebe e que somente morrendo para os bens deste mundo, se é possível viver para a vida eterna. Francisco de Assis ao entender que no servir a Cristo, existe riquezas maiores do que as materiais, abriu mão de sua herança indo viver entre e para os pobres.
O jovem rico precisava ter lido o que nos ensina Tomás de Kempis em, A Imitação de Cristo:
“Procura, pois desapegar teu coração das coisas visíveis, porque os que seguem os atrativos dos sentidos, mancham sua consciência e perdem a graça de Deus.”
Ele poderia ter agido assim como João Wesley, que após um ministério abençoado, ganhando o máximo possível, economizando e doando o máximo possível, morreu pobre deixando "uma grande estante cheia de bons livros, uma toga pastoral bastante usada, um nome escarnecido, e a imensa família metodista espalhada pela Inglaterra e diversas partes do mundo. João Wesley morreu desprovido de bens matérias, mas locupleto de tesouros nos céus. Sem procurar ficar rico, acabou ficando, mesmo já seguindo a Cristo, foi capaz de aceitar o desafio feito ao jovem rico. Sobre isso declarou:
“ Alguns livros alcançaram venda superior as minhas expectativas, e com ela fiquei rico sem querer. mas nunca quis ser rico, nem me empenhei por isso. Como tal fortuna, porém, veio-me inesperadamente, não cumulo riquezas sobre a terra, nem entesouro absolutamente nada para mim. Meu desejo e propósito são distribuir de graça o saldo do fim do ano... minhas próprias mãos executarão a distribuição dos meus bens".
E para que ninguém diga que não citei a Bíblia, digo que o jovem rico se tivesse aceitado a proposta de Cristo, poderia ter sido um exemplo para Saulo, outro zeloso jovem fariseu que mais tarde se encontrou com Jesus no caminho de Damasco. Ao ser encontrado e confrontado pela graça no caminho, abandonou a rígida observância da Lei para seguir a Cristo, tornando-se o apóstolo dos gentios, ensinando aos discípulos de Corinto, que no ato gratuito de dar reside uma justiça eterna. Sim, o antigo discípulo de Gamaliel, um dos mais ferrenhos observadores do judaísmo farisaico, tornou-se o arauto da graça, passando a chamar-se Paulo, e por ter compreendido o valor do desapego declarou: Distribuiu, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre. (2. Cor 2.9).
O jovem poderia ter aprendido com o próprio Jesus de Nazaré que disse: “Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando, vos deitarão no vosso regaço; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo.” (Lc 6. 38)
Apesar das pequenas divergências entre Marcos e Mateus, na narrativa do diálogo de Jesus com o jovem rico, ambos concordam que o jovem optou em agir diferente de Paulo, de Francisco e de Wesley. Diante da proposta de Jesus ele, retirou-se triste; porque possuía muitos bens. Retirou-se e seguiu seu caminho, possuído pelas posses, apegado a elas, e elas, apegadas a ele. Embrenhou-se na multidão, calado, em silêncio, contudo, a pergunta angustiante que se recusava a calar no interior dele, já não era: o que fazer para conseguir a salvação? Mas sim: como se libertar daquilo que lhe privava da salvação? O que lhe privava de ser perfeito e salvo não eram os bens em si, mas seu desordenado amor e apego a eles.
Paulo diz que, o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males, e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores (I Tm 6. 10 ). O jovem rico virando as costas para a Graça lhe manifesta na proposta de Jesus, sumiu em meio à multidão, seguiu rico materialmente, mas miserável no tocante a eternidade, pois não teve coragem e tampouco fé para desapegar-se dos bens transitórios. “Partiu vazio da graça, sem se dar conta que o que recusou foram coisas eternas que, Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam.” 1 Cor 2:9
Muita gente, desde clérigos a leigos, dentro das igrejas cristãs estão possuídas por suas posses. Tais pessoas precisam de libertação. E, esta libertação não poderá ser feita por outra pessoa, pois o exorcismo dos bens materiais que possuem a alguém, não pode ser feito por outro, senão pelo próprio possuído, que numa decisão entre o material e o espiritual, o efêmero e o eterno, usando de seu livre arbítrio, tocado pela graça, deve diferentemente do jovem rico agir assim como Zaqueu, que ao receber Jesus disse: “ Senhor, resolvo dar aos pobres a metade de meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém,restituo quatro vezes mais.” (Lc 19.8).
Será que, depois dar cinqüenta por cento dos seus bens aos pobres e usar o restante para restituir quatro vezes mais a quem defraudará, teria sobrado alguma coisa para Zaqueu? Creio que não. Penso que ele se tornou pobre dos bens que desonestamente acumulara, mas rico em tesouros nos céus, pois escolheu o bem que não perece, o qual é a salvação, escolheu a melhor parte que não lhe foi tirada.
A libertação da possessão das posses, só pode ser efetuada mediante uma auto-libertação, que ocorre diante da proposta de Jesus, que disse: Não podereis servir a Deus e a mamom. (Mt. 6.24). E dando segurança a quem pela fé nEle e em sua sustentação aceita se auto-libertar, declara: Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? (Porque todas estas coisas os gentios procuram). De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas; Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal. (Mt. 6. 31 a 34)
Concluindo, eu penso que para Jesus, o mal não estava e nem está em possuir bens, mas sim em ser possuído por eles, e aquele jovem estava possuído pelas posses que tinha. Ele não possuía as posses, mas as posses o possuíam. Ele não tinha as coisas, antes, as coisas o tinham. Tiago diz em sua epistola: A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo. Ser religião pura e sem mácula é ser religião perfeita, gozando da perfeição que o jovem rico não quis abraçar por estar possuído por suas riquezas. Ele recusou a perfeição, porque sua obtenção requer de quem a busca verdadeiramente: despojamento, desapego, renúncia a tudo aquilo que fora de Cristo se torna segurança.
Nestes tempos em que outro "Evangelho" anuncia mais o ter do que o ser e coloca a pobreza como sinal de falta de fé, ou resultante do estar em pecado ou sob maldição divina, e se reivindica para os pseudos sacerdotes as primícias assim como se fazia no já caduco sacerdócio araônico, é preciso que tenhamos cuidado. É preciso vigilância, pois Jesus o atual e eterno sacerdote disse em sua Palavra, que, devemos dar aos pobres para que então possuamos um tesouro nos céus e não aos abastados pregadores da prosperidade para que tenhamos bens na terra. Seduzidos por tais ensinos, muitas pessoas apegadas às riquezas que já possuem, buscando mais ainda, ou tentando adquiri-las, estão deixando de dar aos pobres, acumulando assim tesouros na terra, mas perdendo os céus.
Pr. José do Carmo da Silva. (Zé do Egito)
Igreja Metodista em Fátima do Sul - MS.
Mas o jovem, ouvindo essa palavra, retirou-se triste; porque possuía muitos bens. Mateus 19. 16.22
A narrativa acima, estampa o questionamento existente nos corações de muitas pessoas, “o que fazer para ganhar a vida eterna?” A mesma narrativa se encontra também no capitulo 10, 21 do Evangelho de Marcos, porém com pequenas diferenças. Dentre essas sutis diferenças, na narração mateana, destaca-se na pergunta do jovem rico a seguinte citação: o que eu farei de bem, para herdar a vida eterna? Em algumas versões como a Almeida Revista e Atualizada, lemos: o que eu farei de bom, ao invés de bem. Na narrativa de Marcos, a pergunta do Jovem rico é: Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
Refletindo sobre o texto, conclui que, aquele jovem abastado, possuía muitas coisas em comum com muitas pessoas religiosas hoje. Dentre elas, as mais flagrantes são: Incerteza da salvação e incompreensão da graça de Deus.
Apesar de ser uma pessoa que diligentemente observava os mandamentos citados por Jesus, no coração daquele jovem que desde cedo aprendera o bê-á-bá da religião judaica, existia uma pergunta que não calava: “que destino terá minha alma, ao findar o labor dessa vida?” A dúvida quanto à salvação era a força motriz dos atos daquele jovem, todas as ações dele emanavam do medo de não ser salvo, isso o deixava em constante crise movendo-o numa busca doentia pela perfeição. Tal busca pela perfeição fez com que se destacasse sobremaneira dentre os de sua idade, superando a todos, pois tudo fazia com primazia, sendo o mais zeloso discípulos dos fariseus. Seus mestres orgulhosos por sua disciplinada observância da Lei em todos os seus pormenores, sempre o elogiavam, colocando-o como exemplo a ser seguido pelos demais jovens discípulos.
Mas, o que seus mestres e amigos não sabiam é que ele vivia em crise, pois apesar de todas as práticas religiosas, não sabia se era nascido de novo. Muitas vezes, ele desejou levantar a mão na sinagoga e abrir seu coração, mas tinha vergonha de fazê-lo, afinal era um jovem de destaque na sociedade farisaica, filho de rabino, como poderia titubear em questão de tamanha importância no campo da fé?
Sua precoce e perfeita observância dos mandamentos, fez com que ele se tornasse líder da MOFAJ. Mocidade Farisaica Judeiana. Ocupar tal posição, o angustiava mais ainda, afinal era um líder e não podia deixar transparecer dúvidas, pois precisava demonstrar para a juventude da Judéia que sua observância dos pormenores da religião se baseava na certeza de que já estava trilhando o caminho da salvação e não que ainda estava tentando encontrá-lo. Não podia manifestar suas dúvidas, pois seu pai o rabino Faleg, Al, ismo, com quem aprendera desde cedo a observar a Lei, esperava um dia tê-lo sucedendo-o na condução da sinagoga.
Diante do status social, da responsabilidade como líder da MOFAJ e das expectativas ministeriais do pai, expor sua insegurança no tocante à salvação seria desonrá-lo, portanto a solução era se calar e caminhar, pois fazer isso depunha contra um dos mandamentos que mais primava em observar: honrar pai e mãe.
Por se destacar diante dos de sua idade no tocante ao conhecimento e observância da Lei, fora convocado pelos fariseus veteranos, para juntamente com eles colocarem Jesus a prova. Os mestres foram primeiro, e ele decidiu ficar ao longe, entre a multidão, assistindo como seus professores agiam. Contudo, ao ver como Jesus desmontou os estratagemas deles, ao tentarem fazê-lo negar a Lei de Moisés com a questão do divórcio, pela primeira vez, passou-lhe pela cabeça, que muitas das coisas que aprendera e observara desde sua infância, poderia não ser como realmente lhe ensinaram. A maneira como seus mestres foram silenciados por Jesus, o rabino marginal de Nazaré, no tocante a indissolubilidade do matrimônio e a razão da liberação do divórcio por Moisés, levou-o, a perceber que seus mestres não possuíam sólidos conhecimentos de ensinos rudimentares da Torá.
Ao ver seus mentores saindo derrotados mais uma vez, pelas palavras de sabedoria que vinham da boca do humilde carpinteiro, o jovem rico sentiu que aquele era o momento, tomou coragem e se aproximando perguntou: - Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?
Jesus, já de inicio, desmonta um conceito sobre o qual o jovem se firmara, declarando-lhe que ninguém é bom se não, aquele de quem procede toda bondade, diante de quem a justiça humana é um trapo de imundície, na narrativa de Marcos, Jesus reagiu respondendo-lhe: - Por que me chamas bom? Ninguém há bom senão um, que é Deus.
Fica claro nas palavras de Jesus, a resposta no tocante a conseguir a salvação, pois sendo Deus bom, a salvação só poderia ser fruto de um ato gratuito dEle, independente da ação humana (Ef. 28). A salvação é uma dádiva fruto da perfeita obra consumada por Cristo no Calvário. No tocante a ela podemos acolher o que diz Tiago: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das Luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.” – Tiago 1: 17.
O jovem não respondeu a indagação de Jesus, sobre o porquê lhe chamara de bom mestre, pois o que ele aguardava ansiosamente era a resposta sobre como obter a salvação. O chamar Jesus de bom mestre, foi apenas uma introdução para tão somente apresentar a questão que lhe era crucial. E Jesus, que sempre levava seus interlocutores a pensarem, segundo a narrativa de Marcos, responde a pergunta com outra pergunta:- Sabes os mandamentos?
Diante de tal pergunta, o jovem, sentiu-se seguro no caminho que trilhava, afinal, não só sabia os mandamentos, mas desde a sua infância os observava meticulosamente, tendo-os aprendido desde cedo com seus pais e aperfeiçoado o aprendizado com os rabinos, dentre eles Nicodemos, um dos mestres em Israel. Contudo, sua segurança duraria pouco. Pois, assim, como ele usou de uma introdução com Jesus, para chegar ao âmago de sua questão, Jesus perguntou introdutoriamente sobre o conhecimento dos mandamentos, para responder a ele, o que realmente lhe era preciso para alcançar a salvação.
Outro diferencial entre as narrativas de Marcos e de Mateus, é que segundo Marcos, diante da resposta do jovem discípulo de fariseu, Jesus fitando-o, o amou. Jesus ao fitar e amar aquele jovem viu seu ser possuído pelas posses. Enxergando nele um vazio da graça, decide então levá-lo a uma auto – libertação, indo direto na cadeia - mor que o acorrentava, disse-lhe: - Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me.
A resposta de Jesus, penetrou os ouvidos do jovem discípulo de fariseu, pois, nela veio não só a resposta de como obter a salvação, mas a perfeição verdadeira. Porém, aquela resposta petrificou-lhe a alma, deixando o emudecido, pois para consegui-la, o Mestre Nazareno impôs-lhe um preço: renunciar a seus muitos bens materiais. Ficou claro também que a salvação, não resultava de obedecer aos mandamentos como zelosamente fazia, mas sim de seguir a Cristo. Isto significava não só desfazer-se de seus bens materiais, mas também de seus preceitos e preconceitos, abrindo mão de sua confiança na Lei, seguindo a um homem que comia e bebia com pessoas consideradas imundas, ao qual seus mestres haviam chamado de, obreiro de Belzebu o maioral dos demônios, glutão e beberrão de vinho, amigo dos publicanos e pecadores. (Mt 12, 24 e 11. 19)
Àquele jovem, estava prestes a conseguir verdadeiramente aquilo que falsamente demonstrou ter para as pessoas, a perfeição. Ao observar rigorosamente a lei, passava a idéia que ele era perfeito, em suas crenças e práticas. Agora, confrontado por Jesus, vê-se diante da possibilidade de alcançar a verdadeira perfeição.
A obtenção da perfeição, que rigorosamente buscava por meio da observância da Lei, estava diante dele, contudo, para alcançá-la, ele precisava antes desfazer-se daquilo que lhe possuía, a riqueza, sim, pois ele estava firmado sobre ela, nela estava o coração dele.
Naquele momento, o silencio tomou conta da multidão, e, em seu interior, o jovem lutava, entre o ter e ser. Entre ter os bens materiais e continuar angustiado pela incerteza da salvação pessoal, e ser capaz de desapegar-se dos bens que o amarravam se tornando servo de Cristo.
Porém, julgou ser muito alto o preço da perfeição, e escolheu continuar servindo as riquezas.
Ele não foi capaz de tomar uma atitude tal qual tomou Francisco de Assis, o qual compreendeu que é: “dando que se recebe e que somente morrendo para os bens deste mundo, se é possível viver para a vida eterna. Francisco de Assis ao entender que no servir a Cristo, existe riquezas maiores do que as materiais, abriu mão de sua herança indo viver entre e para os pobres.
O jovem rico precisava ter lido o que nos ensina Tomás de Kempis em, A Imitação de Cristo:
“Procura, pois desapegar teu coração das coisas visíveis, porque os que seguem os atrativos dos sentidos, mancham sua consciência e perdem a graça de Deus.”
Ele poderia ter agido assim como João Wesley, que após um ministério abençoado, ganhando o máximo possível, economizando e doando o máximo possível, morreu pobre deixando "uma grande estante cheia de bons livros, uma toga pastoral bastante usada, um nome escarnecido, e a imensa família metodista espalhada pela Inglaterra e diversas partes do mundo. João Wesley morreu desprovido de bens matérias, mas locupleto de tesouros nos céus. Sem procurar ficar rico, acabou ficando, mesmo já seguindo a Cristo, foi capaz de aceitar o desafio feito ao jovem rico. Sobre isso declarou:
“ Alguns livros alcançaram venda superior as minhas expectativas, e com ela fiquei rico sem querer. mas nunca quis ser rico, nem me empenhei por isso. Como tal fortuna, porém, veio-me inesperadamente, não cumulo riquezas sobre a terra, nem entesouro absolutamente nada para mim. Meu desejo e propósito são distribuir de graça o saldo do fim do ano... minhas próprias mãos executarão a distribuição dos meus bens".
E para que ninguém diga que não citei a Bíblia, digo que o jovem rico se tivesse aceitado a proposta de Cristo, poderia ter sido um exemplo para Saulo, outro zeloso jovem fariseu que mais tarde se encontrou com Jesus no caminho de Damasco. Ao ser encontrado e confrontado pela graça no caminho, abandonou a rígida observância da Lei para seguir a Cristo, tornando-se o apóstolo dos gentios, ensinando aos discípulos de Corinto, que no ato gratuito de dar reside uma justiça eterna. Sim, o antigo discípulo de Gamaliel, um dos mais ferrenhos observadores do judaísmo farisaico, tornou-se o arauto da graça, passando a chamar-se Paulo, e por ter compreendido o valor do desapego declarou: Distribuiu, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre. (2. Cor 2.9).
O jovem poderia ter aprendido com o próprio Jesus de Nazaré que disse: “Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando, vos deitarão no vosso regaço; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo.” (Lc 6. 38)
Apesar das pequenas divergências entre Marcos e Mateus, na narrativa do diálogo de Jesus com o jovem rico, ambos concordam que o jovem optou em agir diferente de Paulo, de Francisco e de Wesley. Diante da proposta de Jesus ele, retirou-se triste; porque possuía muitos bens. Retirou-se e seguiu seu caminho, possuído pelas posses, apegado a elas, e elas, apegadas a ele. Embrenhou-se na multidão, calado, em silêncio, contudo, a pergunta angustiante que se recusava a calar no interior dele, já não era: o que fazer para conseguir a salvação? Mas sim: como se libertar daquilo que lhe privava da salvação? O que lhe privava de ser perfeito e salvo não eram os bens em si, mas seu desordenado amor e apego a eles.
Paulo diz que, o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males, e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores (I Tm 6. 10 ). O jovem rico virando as costas para a Graça lhe manifesta na proposta de Jesus, sumiu em meio à multidão, seguiu rico materialmente, mas miserável no tocante a eternidade, pois não teve coragem e tampouco fé para desapegar-se dos bens transitórios. “Partiu vazio da graça, sem se dar conta que o que recusou foram coisas eternas que, Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam.” 1 Cor 2:9
Muita gente, desde clérigos a leigos, dentro das igrejas cristãs estão possuídas por suas posses. Tais pessoas precisam de libertação. E, esta libertação não poderá ser feita por outra pessoa, pois o exorcismo dos bens materiais que possuem a alguém, não pode ser feito por outro, senão pelo próprio possuído, que numa decisão entre o material e o espiritual, o efêmero e o eterno, usando de seu livre arbítrio, tocado pela graça, deve diferentemente do jovem rico agir assim como Zaqueu, que ao receber Jesus disse: “ Senhor, resolvo dar aos pobres a metade de meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém,restituo quatro vezes mais.” (Lc 19.8).
Será que, depois dar cinqüenta por cento dos seus bens aos pobres e usar o restante para restituir quatro vezes mais a quem defraudará, teria sobrado alguma coisa para Zaqueu? Creio que não. Penso que ele se tornou pobre dos bens que desonestamente acumulara, mas rico em tesouros nos céus, pois escolheu o bem que não perece, o qual é a salvação, escolheu a melhor parte que não lhe foi tirada.
A libertação da possessão das posses, só pode ser efetuada mediante uma auto-libertação, que ocorre diante da proposta de Jesus, que disse: Não podereis servir a Deus e a mamom. (Mt. 6.24). E dando segurança a quem pela fé nEle e em sua sustentação aceita se auto-libertar, declara: Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? (Porque todas estas coisas os gentios procuram). De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas; Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal. (Mt. 6. 31 a 34)
Concluindo, eu penso que para Jesus, o mal não estava e nem está em possuir bens, mas sim em ser possuído por eles, e aquele jovem estava possuído pelas posses que tinha. Ele não possuía as posses, mas as posses o possuíam. Ele não tinha as coisas, antes, as coisas o tinham. Tiago diz em sua epistola: A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo. Ser religião pura e sem mácula é ser religião perfeita, gozando da perfeição que o jovem rico não quis abraçar por estar possuído por suas riquezas. Ele recusou a perfeição, porque sua obtenção requer de quem a busca verdadeiramente: despojamento, desapego, renúncia a tudo aquilo que fora de Cristo se torna segurança.
Nestes tempos em que outro "Evangelho" anuncia mais o ter do que o ser e coloca a pobreza como sinal de falta de fé, ou resultante do estar em pecado ou sob maldição divina, e se reivindica para os pseudos sacerdotes as primícias assim como se fazia no já caduco sacerdócio araônico, é preciso que tenhamos cuidado. É preciso vigilância, pois Jesus o atual e eterno sacerdote disse em sua Palavra, que, devemos dar aos pobres para que então possuamos um tesouro nos céus e não aos abastados pregadores da prosperidade para que tenhamos bens na terra. Seduzidos por tais ensinos, muitas pessoas apegadas às riquezas que já possuem, buscando mais ainda, ou tentando adquiri-las, estão deixando de dar aos pobres, acumulando assim tesouros na terra, mas perdendo os céus.
Pr. José do Carmo da Silva. (Zé do Egito)
Igreja Metodista em Fátima do Sul - MS.
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