10 março, 2010

Estragou a Televisão



Domingo usei como ilustração essa crônica do Luiz Fernando Veríssimo. Comprei em Congonhas o Livro Comédias Brasileiras de Verão e tive dores na barriga de tanto rir, recomendo, recomendo quase tudo que o Luiz escreve só não recomendo que se torça pelo Internacional...

Aí esta!




Estragou a televisão!!!
Luís Fernando Veríssimo


-- Iiiih...
-- E agora?
-- Vamos ter que conversar.
-- Vamos ter que o quê?
-- Conversar. É quando um fala com o outro.

 -- Fala o quê?
-- Qualquer coisa. Bobagem.
-- Perder tempo com bobagem?
-- E a televisão, o que é?
-- Sim, mas aí é a bobagem dos outros. A gente só assiste. Um falar com o outro, assim, ao vivo... Sei não...
-- Vamos ter que improvisar nossa própria bobagem.
-- Então começa você.
-- Gostei do seu cabelo assim.
-- Ele está assim há meses, Eduardo. Você é que não tinha...
-- Geraldo.
-- Hein?
-- Geraldo. Meu nome não é Eduardo, é Geraldo.
-- Desde quando?
-- Desde o batismo.
-- Espera um pouquinho. O homem com quem eu casei se chamava Eduardo.
-- Eu me chamo Geraldo, Maria Ester.
-- Geraldo Maria Ester?!
-- Não, só Geraldo. Maria Ester é o seu nome.
-- Não é não.
-- Como, não é não?
-- Meu nome é Valdusa.
-- Você enlouqueceu, Maria Ester?
-- Pelo amor de Deus, Eduardo...
-- Geraldo.
-- Pelo amor de Deus, meu nome sempre foi Valdusa. Dusinha, você não se lembra?
-- Eu nunca conheci nenhuma Valdusa. Como é que eu posso estar casado com uma mulher que eu nunca... Espera. Valdusa. Não era a mulher do, do... Um de bigode...
-- Eduardo.
-- Eduardo!
-- Exatamente. Eduardo. Você.
-- Meu nome é Geraldo, Maria Ester.
-- Valdusa. E, pensando bem, que fim levou o seu bigode?
-- Eu nunca usei bigode!
-- Você é que está querendo me enlouquecer, Eduardo.
-- Calma. Vamos com calma.
-- Se isso for alguma brincadeira sua...
-- Um de nós está maluco. Isso é certo.
-- Vamos recapitular. Quando foi que casamos?
-- Foi no dia, no dia...
-- Arrá! Tá aí. Você sempre esqueceu o dia do nosso casamento... Prova de que você é o Eduardo e a maluca não sou eu.
-- E o bigode? Como é que você explica o bigode?
-- Fácil. Você raspou.
-- Eu nunca tive bigode, Maria Ester!
-- Valdusa!
-- Tá bom. Calma. Vamos tentar ser racionais. Digamos que o seu nome seja mesmo Valdusa. Você conhece alguma Maria Ester?
-- Deixa eu pensar. Maria Ester... Nós não tivemos uma vizinha chamada Maria Ester?
-- A única vizinha de que eu me lembro é a tal de Valdusa.
-- Maria Ester. Claro. Agora me lembrei. E o nome do marido dela era... Jesus!
-- O marido se chamava Jesus?
-- Não. O marido se chamava Geraldo.
-- Geraldo...
-- É.
-- Era eu. Ainda sou eu.
-- Parece...
-- Como foi que isso aconteceu?
-- As casas geminadas, lembra?
-- A rotina de todos os dias...
-- Marido chega em casa cansado, marido e mulher mal se olham...
-- Um dia marido cansado erra de porta, mulher nem nota...
-- Há quanto tempo vocês se mudaram daqui?
-- Nós nunca nos mudamos. Você e o Eduardo é que se mudaram.
-- Eu e o Eduardo, não. A Maria Ester e o Eduardo.
-- É mesmo...
-- Será que eles já se deram conta?
-- Só se a televisão deles também quebrou.

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