04 fevereiro, 2010

Na sala de embarque

por Marcos Soares



Amigos, há várias coisas curiosas em uma sala de embarque. Como gosto de observar pessoas, percebo ali desde executivos engravatados a surfistas de chinelo, crianças mal comportadas pulando, correndo e tropeçando nas malas dos pobres passageiros, grupinhos de tripulação com seus quepes e lenços. Celulares, laptops, Ipods, Não-pods e Acha-que-pods. Tem de tudo. Cafezinho, água mineral e pão de queijo a preços impraticáveis. Pressa, correria, impaciência, reclamações e ansiedade. Olhares nervosos para o relógio. Uma irritante avalanche de microfones, funcionários anunciando alterações de portões, de partidas, todas com a inconfundível mania de anunciar em português e em inglês joel-santânico.


O mais curioso, porém, é observar que na hora da chamada para embarque, tanto aqueles que estavam esperando há séculos quanto aqueles que chegam correndo, esbaforidos, com olhos estalados pelo medo de perder o voo, todos eles embarcam no mesmo avião e chegam ao mesmo destino, exatamente no mesmo horário.

Já estive nas duas situações. Esperei um vôo por 5 horas e quando estava na fila para entrar, vi chegar um apressadinho, chamado em inglês de “last-minute comer” que simplesmente chegou e embarcou. Simples assim. Já tive também que correr muito, mas muito mesmo, para pegar um avião. Estava no aeroporto de Los Angeles, voltando do treinamento do Haggai Institute quando fui, inexplicavelmente, barrado por um segurança que não foi com a minha cara. Se não fossem os dois amigos que estavam comigo e que literalmente seguraram a porta da aeronave para fazer a comissária atrasar, eu teria ficado sem lenço e sem documento.

Quando você está quadrado de tanto esperar e vê um passageiro de última hora embarcar do mesmo jeito que você, não tem como não pensar algumas coisas. “Puxa, não é justo”. Ou “Puxa, mas que sorte do sujeito”. Ou ainda “Por que não sai mais cedo de casa?” Você fica tão incomodado que parece que até o jeito do cara te olhar denuncia um certo sarcasmo. É como se ele estivesse lhe dizendo “Aí, otário, acabei de chegar e vamos juntos”. Na verdade, isso é só impressão. Eu que estive do outro lado sei como é estressante ter que correr feito louco por um aeroporto, com sacolas e malas nas mãos, imaginando o que você vai fazer se perder aquele vôo, como vai conseguir outro, se vai ter dinheiro para se hospedar e comer etc e tal. Não é bacana. Salvo engano, ninguém chega de última hora porque quer. Pelo menos, não para pegar ônibus ou avião.

O fato concreto é que, sendo justo ou injusto, sendo sorte ou azar, a regra é clara: desde que você chegue a tempo, os direitos de todos os passageiros são iguais. Quem chegou primeiro pode ter sido mais organizado, pode ter tido mais sorte com o trânsito, pode ter estado ali simplesmente porque aguardava uma conexão, mas não é melhor do que outro nem sua passagem vale mais do que aquele que chegou no último instante. Eles vão se utilizar do mesmo transporte, chegando ao mesmo lugar no mesmo horário. Não importa qual foi o trajeto, o caminho, a agenda ou o que quer tenha acontecido até ali. No instante em que embarcam, tudo se iguala. As diferenças, no que concerne ao destino próximo, acabam ali.

Você já ouviu esta história antes. A idéia não é original. Já foi até mencionada nesta coluna, anos atrás na série “Histórias para a vida”. Foi Jesus quem expôs esta verdade, usando outra ilustração: aquela dos homens que foram contratados para trabalhar na vinha, cada um chegando num horário, mas todos recebendo o mesmo salário.

Na nossa relação com Deus, não importa quem chega primeiro e quem chega por último. Não interessam os caminhos ou descaminhos pelos quais andamos até então. Não importa se meu pai, meu avô, meus tios ou meus primos são homens de Deus afamados e fieis há décadas ou se foram os piores tipos de ser humano que se possa imaginar. Não interessa se eu fui criado na Escola Dominical, ganhando prêmios por assiduidade e por decorar versículos. Embora tudo isso possa ter sido muito bom, ontem pode ter se convertido um traficante de meia idade, que passou a vida arruinando com a vida dos outros. Ele nunca pisou em uma igreja. Nunca se importou com Deus e viveu como se, na verdade, Deus sequer existisse. Se ele aceitou a graça de Deus na pessoa de Cristo, se entendeu que a vida que Jesus entregou no Calvário paga a sua dívida para com Deus, se confiou exclusivamente nisso para o seu futuro eterno, ele acabou de entrar no avião. Vai chegar ao mesmo destino. Se morrer agora, vamos encontrá-lo no mesmo lugar. Aliás, a prova disso é o que Jesus falou para aquele bandido que foi crucificado ao seu lado: “Hoje você estará comigo no paraíso”. Mais de última hora impossível. Crucificado, com as horas mais do que contadas. Só fez bobagem a vida inteira. Chegou correndo e passou na frente. Ele JÁ ESTÁ no paraíso, desde aquele dia.

Este é o conceito bíblico de “graça”. Não é porque eu corro, me esforço e sou bonzinho. Não é porque eu nasci num lar cristão e fui salvo aos 6 anos de idade. Não é porque nunca matei, nunca roubei, nunca usei drogas. É simplesmente por causa da graça. É somente porque Ele me ama. É exclusivamente porque “na casa de meu Pai há muitas moradas” e elas não foram feitas para ficar vazias pela eternidade. Foram preparadas para que qualquer um que queira vá morar nelas.

Não importa quanto tempo você demorou para entender isso, nem o que você andou fazendo até saber disso. Importa somente que o preço já foi pago, a passagem está garantida. Tudo o que resta é embarcar.